A Trajetória de um Bailarino de Sucesso

Não é fácil, mas se você for determinado e perseverante... a Dança o espera!


Em 2014 conheci o bailarino Alexandre Fernandes através de uma colega de trabalho. Neste mesmo ano o contratei para dançar no espetáculo do Ballet Valeria Almeida para o papel principal de Don Qixote - como Basílio - e me surpreendi com tanta generosidade! Estive com ele semana passada e ele me contou a história de sua trajetória...

Alexandre, como tudo começou?

Aos quinze anos de idade eu me achava gordinho e por indicação de minha irmã resolvi fazer ginástica aeróbica numa academia perto de casa. Colocaram-me no jazz e eu chegava mais cedo para ver a aula de ballet que acontecia antes da minha, pois achava aquilo lindo. Mas não tinha coragem de fazer porque para mim não era coisa de homem.

E quando você contou para os seus pais?

Foi nessa época que contei para meus pais, pois já trabalhava como office-boy e pagava minhas aulas. Minha mãe achou que seria uma coisa passageira e meu pai não se opôs. Alguns amigos de colégio e de rua deram uma sumida por quase dois anos - na época não achei que fosse por preconceito, pois para mim eu não dançava, “fazia jazz”.

O que você fez depois disso?

Com dezenove anos fui fazer um curso de férias de jazz em outra escola e o professor me disse que eu tinha talento para o ballet, então resolvi com outro colega entrar numa turma de adulto iniciante. O professor era o Eduardo Bonnis. Fiz minha aula teste e ele disse que eu tinha muitas condições para a dança. Mas eu era muito tímido, e fiquei com medo achando que não era dança para homem. Mas meu colega me convenceu e eu comecei a frequentar as aulas.

Nesse período eu trabalhava como escriturário num banco e fazia cursinho para o vestibular. Gostei tanto do ballet que resolvi não fazer o vestibular, e sim mais aulas de ballet. Desta vez escondido do meu pai. Foi quando num almoço com ele e minha mãe que ela contou que eu estava fazendo aula de ballet. Meu pai parou de comer, jogou o prato na parede e disse que se eu virasse homossexual ele me expulsaria de casa. Ele nunca me assistiu dançar, mas sempre me acordava para eu fazer aula, e sempre guardava os jornais nos quais meu nome ou foto aparecia.

Quando você decidiu seguir a profissão de bailarino?

Quando ficou insustentável fazer aula e trabalhar no banco ao mesmo tempo, e já sendo contratado por algumas escolas para dançar, resolvi largar o emprego que todos julgavam convencional, e me dedicar somente ao ballet. Menti para todos da minha família e também para minha namorada, dizendo que tinha sido demitido do banco.

Nessa época quebrei o meu pé. Eu trabalhava para o espetáculo de meio de ano de uma escola, que por conta disso, precisou contratar outro bailarino e me fez assinar um contrato no segundo semestre dizendo que eu tinha que trabalhar de graça, e que se eu não dançasse por qualquer motivo deveria pagar uma multa. E eu assinei. Hoje em dia acho que esta atitude mostra como os bailarinos não são reconhecidos profissionalmente, já que os “direitos” do trabalhador acabam não se aplicando a eles. Neste caso seria acidente de trabalho.

Por que você não cursou uma faculdade?

Minha mãe sempre insistia para que eu entrasse em uma faculdade, mas como minha família não tinha dinheiro e eu os ajudava financeiramente, não o fiz. Se eu entrasse teria que parar de dançar e arrumar outro emprego para que a empresa me ajudasse a pagar os estudos. Para não magoar meus pais dizendo que era por falta de dinheiro, sempre dizia que eu não queria cursar a universidade. Até que um dia fui prestar um vestibular, mas na porta desisti, não adentrei a faculdade. Disse que cheguei atrasado, pois tive medo de passar e me arrepender em não fazer o curso. Minha mãe ficou sem falar comigo por quase um mês por causa disso.

Continuei meu trabalho como bailarino, fazendo aulas todos os dias. Eu e minha namorada desmanchamos depois de 3 anos. Ela não queria ficar todo final de semana no teatro. Ela também dançava, adorava o ballet, mas queria viver alguns finais de semana como uma pessoa normal.

E seguindo em sua trajetória...

Em 1999 me tornei “primeiro bailarino” de um festival de dança, e comecei a aparecer mais, e mais escolas me contrataram para dançar. Em 2000 fui para o Seminário Internacional em Brasília, no qual vi vários professores renomados com suas esposas, e fiquei muito feliz, pois percebi que poderia constituir uma família.

Tive que recusar uma bolsa de estudos para a Alemanha, pois não tinha dinheiro para me sustentar lá. Logo em seguida fui para a Argentina no Festival de Danzas Del Mercosul. Uma das juradas que foi professora de Julio Bocca me ofereceu bolsa de estudos. Também não fui, novamente não tinha dinheiro para me sustentar.

Neste mesmo ano o Teatro Municipal de São Paulo abriu inscrição para uma companhia clássica. Fiz a audição e entrei em sétimo lugar. Achei que eu iria conseguir me firmar na profissão como bailarino, mas a Cia. funcionou apenas por dois meses. Continuei sendo bailarino contratado em escolas.

Em 2002 fiz audição para o Balé da Cidade de Santo André, que trabalhava com dança contemporânea. Eu não tinha maturidade ainda para gostar dessa linha de trabalho, mas mesmo assim entrei e trabalhei por aproximadamente quatro meses, até ela acabar.

Ainda neste ano fui trabalhar com D. Toshie Kobayashi em sua escola e tive a oportunidade de dançar como convidado em diversos eventos pelo Brasil, o que me ajudou muito profissionalmente.

Como sempre trabalhei durante muito tempo nas mesmas escolas e acredito ter criado uma consciência nos pais de alunos, que aprenderam a entender que nem todo bailarino precisa ser homossexual. Porém, o que fui percebendo é que sempre era tratado por alguns como um coitado, sem dinheiro e sem perspectiva futura.

Fiz uma audição no Guaíra, em Curitiba, apenas para acompanhar outra namorada na época, e passei. Fui para a reunião e vi que os salários estavam atrasados, além de ser abaixo do esperado. Então não quis ficar, pois ainda tinha que ajudar minha família. Foi quando resolvi começar a dar mais aulas, e percebi que o dinheiro que entrava era um pouco menor, mas era estável. Continuei dançando e dando aulas.

O seu casamento veio logo depois, não é?

Sim. Em 2005 reencontrei minha ex-namorada - aquela que não queria ir todo final de semana no teatro. E em 2006 nos casamos.

Quando dei a notícia do noivado para meus pais, meu pai perguntou como eu iria sustentar uma família, e se eu iria arrumar um emprego.

Continuei dançando e dando aulas.

A família da minha esposa, que já me conhecia há tempos, nunca se opôs ao nosso casamento e nos ajudou muito. Ela trabalhava na Varig (que faliu), e depois de uns meses entrou como comissária de vôo. Foi na BRA (que também faliu). Como é psicóloga, conseguiu um emprego em RH, que depois de um ano foi terceirizado, e assim ela acabou sendo demitida da empresa.

Depois de um mês ficou grávida e não conseguiu mais emprego.

E como é a vida de vocês hoje?

Hoje temos um filho de quatro anos e ela é minha sócia em nosso grupo de dança. O Grupo Criare, no qual sou bailarino e diretor, e ela coordenadora geral. Estamos trabalhando para que o grupo vire companhia de dança, pois trabalhamos com profissionais que, como eu, por falta de dinheiro, não conseguiram ir para fora do país. São excelentes profissionais e ainda lutam para que a dança melhore aqui em São Paulo e no Brasil. Quem sabe um dia poder dar mais oportunidades de empregos.

Suas palavras finais...

Refletindo, percebi que no final das contas, o maior preconceito que tive de minha família, e até pessoas do meio da dança, foi mesmo o financeiro. Alguns diretores de escolas e de companhias não tratam seus profissionais como profissionais. Algumas pessoas acham que o que fazemos não é trabalho e que mendigamos dinheiro. Para mim isso sim é o mais triste, pois estamos numa classe que fabrica e mostra sonhos, mas não conseguimos concretizá-los.

Enquanto alguns tratarem o ballet como um hobby, ou somente dizer que o trabalho de um é melhor que o do outro, continuaremos atolados e não sairemos do lugar.

Hoje tenho 42 anos, sou casado há dez, tenho um filho de quatro e uma mulher que me apoia muito. Tenho minha casa própria, meu carro e meu filho estuda em escolinha particular. Trabalho muito, mas dou o mínimo para eles, e o melhor, sou respeitado por meu trabalho junto aos pais de alunos e as pessoas que conhecem meu trabalho como bailarino, professor, coreógrafo e diretor.

Conclusão

Infelizmente é muito difícil para o bailarino homem atuar no Brasil. Acredito que o Alexandre superou as dificuldades que enfrentou de forma determinante, e certamente soube gerenciar essas dificuldades ao longo de sua trajetória. Não é fácil, mas se você for determinado e perseverante... a Dança o espera!


Grupo Criare

Alexandre Fernandes | Diretor Artístico
(11) 99704-7357

Paula Ramos Fernandes | Coordenação Geral
(11) 2235-6966 / (11) 99853-5394

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  www.facebook.com/grupocriare

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